
A Penhora de Criptomoedas na Recuperação de Crédito: Desafios e Caminhos no Judiciário Brasileiro
- Nathalia Pires de Almeida
- 17 de out. de 2024
- 4 min de leitura
A revolução digital trouxe novas formas de riqueza, e as criptomoedas, como o Bitcoin e o Ethereum, estão no centro dessas transformações. Embora inovadoras, essas moedas digitais colocam o Judiciário diante de desafios complexos, especialmente em processos de recuperação de crédito. A questão principal é: como efetivar a penhora de um ativo que não está sujeito a regulamentação estatal direta, como imóveis ou contas bancárias? A resposta é que, embora possível, a penhora de criptomoedas enfrenta obstáculos práticos e legais que ainda estão sendo moldados pela jurisprudência.
1. A Natureza Jurídica das Criptomoedas e sua Penhorabilidade
Criptomoedas são ativos digitais com valor de mercado reconhecido, o que as torna patrimonialmente relevantes e, portanto, penhoráveis nos termos do artigo 835 do Código de Processo Civil. Apesar de não serem regulamentadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN), elas têm valor econômico e são aceitas como forma de pagamento, o que as classifica como bens passíveis de constrição judicial.
Contudo, diferentemente dos bens tradicionais, não há um sistema centralizado de registro para criptomoedas. As moedas digitais são armazenadas em carteiras digitais, que podem ser acessadas apenas pelo titular através de chaves criptográficas, elevando a complexidade para localizá-las e efetivar sua penhora.
2. Decisões Recentes do Judiciário Brasileiro
A jurisprudência vem consolidando a viabilidade da penhora de criptomoedas, mesmo diante da ausência de regulamentação específica. Dois julgados recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ilustram como a Justiça tem se posicionado frente a essa questão.
No Agravo de Instrumento n.º 0100587-70.2024.8.26.9061, o TJ-SP reformou uma decisão que havia indeferido o pedido de ofício para a corretora Binance, visando localizar ativos digitais dos executados. O relator, Carlos Ortiz Gomes, ressaltou a importância de utilizar medidas inovadoras para garantir a efetividade da execução, especialmente após cinco anos de tentativas frustradas de recuperar o crédito. O tribunal reconheceu que, como as criptomoedas não estão abrangidas por sistemas tradicionais como o SISBAJUD, a requisição judicial às exchanges era uma solução necessária.
Em outro caso, no Agravo de Instrumento n.º 2082160-82.2022.8.26.0000, a 11ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, sob a relatoria do Desembargador Walter Fonseca, determinou a expedição de ofícios a gestoras de criptomoedas. O tribunal reconheceu que, embora as criptomoedas não sejam reguladas pelo BACEN, possuem valor econômico e, diante de tentativas frustradas de penhora de outros bens, caberia a intervenção judicial para solicitar informações sigilosas dessas corretoras. O relator enfatizou que a penhora de criptomoedas é uma medida legítima e necessária para garantir a satisfação do crédito exequendo.
3. Desafios Práticos na Localização e Penhora
O principal obstáculo para a penhora de criptomoedas é a sua descentralização e o anonimato das transações. Ao contrário de ativos tradicionais, que são registrados em bases de dados acessíveis via sistemas como o Renajud ou Bacenjud, as criptomoedas estão fora do alcance desses mecanismos. Além disso, as transações realizadas em blockchain, apesar de rastreáveis, são pseudônimas, o que dificulta a identificação do titular real dos ativos.
Entretanto, o Judiciário brasileiro tem adotado soluções criativas. Uma delas é a expedição de ofícios para corretoras de criptomoedas (exchanges), como Binance, Mercado Bitcoin e outras, exigindo informações sobre a titularidade de criptomoedas em nome dos devedores. Algumas dessas corretoras já possuem sede ou representação no Brasil, o que facilita o cumprimento das ordens judiciais.
Outra medida que tem sido utilizada é a contratação de peritos especializados ou empresas de auditoria blockchain para rastrear as movimentações dos criptoativos, a fim de localizar possíveis ativos em nome dos devedores. Embora essas soluções sejam tecnicamente viáveis, elas ainda enfrentam desafios devido à complexidade técnica e aos custos envolvidos.
4. Possibilidades Futuras
Com o crescimento exponencial das criptomoedas, é natural que a jurisprudência continue a se expandir sobre o tema. No Brasil, o projeto de regulamentação do mercado de criptoativos está em trâmite, e sua aprovação trará maior clareza e segurança jurídica para os credores que buscam a penhora desses ativos.
Além disso, o desenvolvimento de novas tecnologias para rastreamento de transações em blockchain, aliado à crescente cooperação entre o Judiciário e as exchanges, deve facilitar a localização e bloqueio de criptomoedas no futuro. A expectativa é que, assim como os sistemas Bacenjud e Renajud evoluíram para se tornarem ferramentas eficazes de recuperação de crédito, novas ferramentas surgirão especificamente para lidar com ativos digitais.
Conclusão
A penhora de criptomoedas, embora ainda um desafio, é uma realidade no sistema jurídico brasileiro. A jurisprudência tem reconhecido a viabilidade da medida, desde que sejam adotadas estratégias inovadoras, como a requisição judicial de informações diretamente às exchanges e o uso de peritos especializados. À medida que o mercado de criptomoedas cresce, é essencial que o Judiciário e os credores estejam preparados para lidar com essa nova realidade, garantindo que esses ativos não se tornem um meio de ocultação de bens e frustração da satisfação do crédito.
Os julgados mencionados demonstram que, embora as criptomoedas representem uma nova fronteira no direito processual, as ferramentas jurídicas disponíveis são capazes de se adaptar às exigências da tecnologia, assegurando que os devedores não possam escapar de suas obrigações financeiras apenas pelo uso de novos formatos de riqueza.
Esse artigo pode servir como base para publicações jurídicas e informativos especializados, destacando os avanços da jurisprudência e as soluções práticas no campo da recuperação de crédito envolvendo criptoativos.
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